domingo, 15 de janeiro de 2023

Pescadores mortos no mar: A beleza nas tragédias cantadas por Dorival Caymmi

Lançado em 1959 o disco “Caymmi e seu violão”, de Dorival Caymmi, é o que o nome promete. Somente a voz e o violão do cantor com uma série de canções calmas e alegres, que como em grande parte de sua obra, falam sobre o mar. Mas há neste disco quatro faixas que chamam a atenção pelo fato de tratarem de um tema tão trágico, porém de forma bela e poética. No caso, a morte de pescadores que vão para o mar e não voltam.



1 - A jangada voltou só


Após o disco abrir com a alegre "Pescaria" vem "A jangada voltou só", que conta a história de Chico Ferreira e Bento, dois parceiros de pesca que saem em uma jangada mas, como diz o título, a jangada volta vazia. Caymmi aborda sobre a reação das pessoas ao saber da morte dos dois:


Chico era o boi do rancho nas festas de Natá

Não se ensaiava o rancho sem com Chico se contar

E agora que não tem Chico, que graça é que pode ter?

(...)

Bento cantando modas, muita figura fez

Bento tinha bom peito e para cantar não tinha vez

As moças de Jaguaribe choraram de fazer dó


Em uma melodia bastante melancólica ele canta a tragédia levando a reflexão para a falta que os dois farão entre os conhecidos. Falar sobre a morte muitas vezes é focado na morte em si, narrando o que ocorreu, mas quando se traz o pensamento à falta que fará aquele que se foi para os que ficaram, a emoção se torna mais pessoal. Todo mundo que já perdeu alguém sabe como são os momentos em que essa pessoa faz falta. E é para esse ângulo de visão que a música leva.



2 - É doce morrer no mar


A tragédia volta a ser tema do disco em "É doce morrer no mar", escrita em parceria com Jorge Amado. A faixa parece ser uma continuação de "A jangada voltou só", em questão de melodia. A letra é em primeira pessoa, citando a morte de um ente querido que morreu no mar.



Esta faixa é conhecida de muitos em outras vozes. Vale a pena ouvir a nova roupagem que foi dada na versão cantada por Marisa Monte e Cesária Évora.



Outra, cantada cheia de emoção, é na voz de Clara Nunes, lançada em 1973.



3 - O mar


Seguindo, algumas faixas a frente, "O mar" é a mais interessante do disco por ser tanto a mais bonita como a mais trágica. A música começa exaltando o mar com versos que já refletem também sobre o perigo que ele oferece aos pescadores: "O mar quando quebra na praia é bonito, é bonito o mar / Pescador quando sai nunca sabe se volta nem sabe se fica / Quanta gente perdeu seus maridos, seus filhos, nas ondas do mar".

Logo após esse início, cantando bem devagar em meio a um dedilhado, entra uma batida rápida, animada e até dançante... contando a triste história de Pedro, um pescador que não voltou do mar, e Rosinha, que enlouqueceu ao perder seu amado.

Em uma poesia muito bem trabalhada, Caymmi conta que Pedro saía todas as noites para pescar e voltava pela manhã. Rosinha de Chica, que era a mais bonita das moças do local, era também a que mais gostava do pescador. Certo dia ele sai em seu barco e não volta quando o sol nasce. Então os versos dizem:


Deram com o corpo de Pedro

Jogado na praia

Roído de peixe

Sem barco sem nada

Num canto bem longe

Lá do arraiá


Não fosse o suficiente a narração da morte do coitado de Pedro, roído de peixe num canto da praia, a tragédia permanece na vida daquela que o amava, Rosinha:


Pobre Rosinha de Chica

Que era bonita

Agora parece

Que endoideceu

Vive na beira da praia

Olhando pras ondas

Andando rondando

Dizendo baixinho:

"Morreu, morreu, morreu, oh..."


Parece apenas uma história triste, mas a beleza toda da coisa está em como a música narra isso de uma forma que traz, de fato a tristeza, mas com toda uma leveza envolvida, coisa que só escutando você vai entender.



4 - Noite de temporal 


Para finalizar, a última faixa de "Caymmi e seu violão", que é "Noite de temporal". Aqui o foco é uma mãe que espera seu filho voltar da pesca em uma noite de chuva. Essa tem o clima um tanto tenso, com certo tom de mistério, permitindo que o ouvinte imagine a apreensão e ansiedade de uma mãe esperando o filho em uma situação dessas: "Pescador se vai para a pesca na noite de temporar / A mãe se senta na areia esperando ele vortar" - E termina misteriosa da mesma forma, com um fade out da batida tensa da música com Caymmi cantando: "É noite... é noite... é noite..."



“Caymmi e seu violão” é um disco que merece ser ouvido! Não só pela beleza destas poesias trágicas, mas como um todo, é um ótimo trabalho.


domingo, 5 de julho de 2015

Between - Jennette McCurdy atuando fora da comédia

A história dessa série produzida pela Netflix se passa em Pretty Lake, cidade onde se espalha um vírus misterioso que mata todos os maiores de 22 anos. Só 22, quem tem até 21 fica tranquilaço, com exceção do fato de ter que ver os pais, avós, professores, todos morrendo, tudo vai ficar bem.
Vendo todas as mortes, o governo isola o local em quarentena, para que ninguém entre ou saia, evitando que o vírus mortal se espalhe ainda mais. Assim, os moradores locais ficam presos e a espera de uma solução, de uma cura, ou, na pior das hipóteses, da morte.
Enfim, não é preciso saber muito sobre Between para perceber que a trama já é baseada em um clichê conhecido de outros filmes ou até naquela saga das revistinhas do Batman chamada Terra de Ninguém, que saiu no final dos anos 90; e nos primeiros minutos assistindo também se nota outros clichês, mas nos personagens. Wiley Day, interpretada por Jennette McCurdy (sim, a Sam de iCarly) é uma adolescente filha de um pastor que está grávida e bastante desesperançosa com a vida. A típica jovem rebelde que tem muito a aprender sobre a vida e no decorrer da série vai "vivendo e aprendendo".
Fora ela, há também o nerd abobalhado que serve para ajudar a desvendar o mistério sobre o vírus; uma irmã certinha e carola que  está lá para se preocupar com a Sam Wiley; um playboyzinho que se acha dono da cidade e um traficante que acha o mesmo. Enfim, fora a personagem de Jennette, os outros estão lá só para que a história possa acontecer, mas nenhum deles é tão envolvente.

Wiley e Roonie, os personagens mais interessantes da série
O que prende a atenção do espectador mesmo são os mistérios, como a dúvida sobre o por que de nenhuma pessoa que tenha até 21 anos ser afetada pelo vírus, quem é o pai do filho da Wiley (cara de sorte, diga-se de passagem. Uma loirinha cocota dessas não é pra qualquer um) e como eles vão sair dessa, já que ao que tudo indica, o problema não tem cura.
Além da parte misteriosa, há também a questão que gera a ação na série, que é o fato de que quando a cidade é isolada, vira uma terra de ninguém (a referência da revistinha do Batman aí de novo). A lei acaba, a turminha do playboyzinho quer manter a justiça com as próprias mãos, o traficante viciado quer fazer o que fazem os viciados, e aí começa uma guerrinha entre alguns moradores de Pretty Lake.
Com relação à produção, como tem sido comum nas séries da Netflix, há um cuidado impecável com detalhes. Com um aspecto frio, sempre acinzentado, com poucas cores vivas, é possível sentir o aspecto de abandono do local e entrar no clima da história. A direção de fotografia, bastante focada em planos psicológicos, também ajuda a entender como estão se sentindo os personagens que passam por aquela situação, onde veem seus pais morrerem e não conseguem ter nenhuma certeza sobre o que acontecerá com eles mesmos.
A qualidade da atuação também é um dos pontos positivos da série. Algumas críticas chegaram a dizer que os personagens são frios e sem vida, sem emoção, mas isso também pode ser visto como algo proposital, já que a decisão está bem de acordo com a estética da série. Tudo é sem vida, sem cor. Between não é um drama onde o espectador sente pena dos personagens a todo momento e irá chorar no final, mas sim uma história de personagens que estão mais envoltos pela dúvida do que por qualquer outro sentimento ou pensamento. Por isso o clima de preocupação é mais forte que as emoções.

Jennette em sua personagem mais famosa
ao lado de Ariana Grande (Cat)
Também é interessante observar Jennette fazendo uma personagem extremamente daquela com a qual ficou conhecida, que é Sam, a garota maloqueira, bem humorada e com ficha na polícia que fez parte das séries iCarly e Sam e Cat, ambas da Nickelodeon. Wiley não tem o mesmo ânimo e bom humor, está sempre preocupada, triste e é bastante negativa e pessimista em relação a tudo. Mas a atriz consegue convencer, fazendo com o que o espectador chegue a sentir asco de uma menina tão pra baixo no decorrer da trama.
Em geral, Between é uma série de qualidade e que consegue prender a atenção de quem gosta de mistério e consegue entrar no clima da história. O único problema é que a solução do caso não é tão interessante e nem surpreendente quanto se espera e que o final também fica um tanto em aberto, dando algumas possibilidades ruins para a continuidade da história. O lado bom é que isso pode ser gancho para uma segunda temporada, que seria bem vinda, já que a primeira contou com apenas seis episódios.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

O que eu achei de Eraserhead

Bom, eu não sou um cara que conhece muito sobre arte, não me considero culto, gosto de bobagens, sou um tanto fútil. Mas tem hora que isso cansa. Pra poder não ser visto como burro pelas pessoas que gostam de Cultura & Arte, eu resolvi que ia mudar esse meu jeito.
Como eu sei alguma coisinha sobre música, a primeira coisa que veio na minha cabeça foi "eu preciso entender mais sobre cinema". 


Claro que eu sei que os cinéfilos cultos não gostam de Crepúsculo, Harry Potter, e esses filmes chatos, então decidi procurar um filme do underground. Algo tão de hipster que pudesse fazer eu me sentir bem quando falasse sobre aquele filme e as pessoas me dissessem que não conheciam. Resumindo, queria me envolver profundamente no universo Babaca Cult.
Fui procurar meu filme desconhecido. Um filme "com conteúdo" e "que me passasse alguma mensagem", como dizem os caras. Depois de um tempo procurando o filme mais legal que eu poderia assistir, me deparei com esse que está aí embaixo.


É difícil falar qualquer coisa sobre esse filme, até porque é difícil entender qualquer coisa sobre ele. Na verdade não é possível nem afirmar com toda certeza qual é o gênero desse filme. Procurei assisti-lo por achar que era um filme de terror. O fato é que mesmo que seja, o que poderá dar medo não é nenhum monstro ou cena de susto, e sim a loucura dos personagens e das imagens como um todo, combinadas com a trilha sonora, que também é bastante experimental.
Conforme eu li pelas wikipedias por aí (quem não pesquisa na wikipédia quando não conhece alguma coisa que atire a primeira pedra), este é o primeiro longa-metragem da carreira do diretor David Lynch, que começou a trabalhar neste projeto quando ainda estudava cinema no AFI Conservatory. O planejamento era de que Eraserhead deveria ter 42 minutos, o que não aconteceu, já que o tempo de duração é de 89 minutos. O roteiro do longa tinha apenas 21 páginas, o que deixou os professores do conservatório preocupados, pois as cenas com poucos diálogos poderiam fazer com que o filme não obtivesse sucesso. Na verdade, se eu fosse um dos professores eu não investiria em Eraserhead mesmo depois de ver o filme pronto, mas como eu não era, investiram.

O filme começa com a imagem de algo que pode ser um planeta ou um meteoro, com o rosto do personagem principal em primeiro plano. Os 10 primeiros minutos não tem nenhuma fala, o que já o torna chatíssimo para quem não está preparado para todo o experimentalismo da história. Portanto, se por acaso se sentir entediado nas primeiras cenas e espera algo surpreendente, nem assista o resto. Não vai surpreender e provavelmente você irá passar quase duas horas sem entender nada.


Os diálogos mais fáceis de se entender acontecem quando Henry (interpretado por Jack Nance) está na casa de sua namorada, e os pais da moça o informam de que ela teve um bebê, que seria seu filho. Porém, mesmo sendo possível compreender este dialogo, no decorrer das cenas, os personagens parecem ser todos doentes mentais (acho que eu gostei do filme só por causa disso), inclusive Henry, que passa o filme todo com uma expressão facial preocupada e assustada.
Ao ver o que seria o filho do casal, percebe-se que não é uma criança, e sim um monstrinho, que fica o tempo todo enrolado em cima de uma cômoda. Perturbada com a presença daquele bichinho feio, que passa a noite chorando, a esposa de Henry diz que vai voltar para a casa dos pais, e o deixa sozinho cuidando do filho. 
A partir daí começam as sequências de cenas inexplicáveis, onde fica cada vez mais difícil entender qual era a intenção do diretor com a história. Em grande parte das cenas, a impressão é que tudo se trata de um sonho, inclusive, o próprio David Lynch já definiu Eraserhead como um "sonho de coisas escuras e perturbadoras". 
O título se deve a uma das cenas inexplicáveis, onde a cabeça do personagem é cortada, levada a uma fábrica, e então passa a servir como matéria prima de borracha daqueles lápis com uma borrachinha bem pequenininha na ponta traseira.


Eu poderia falar que apesar de parecer incompreensível, o filme é considerado um clássico cult, que ele tem uma estética surpreendente, ou até que é um filme que faz pensar. Mas a coisa mais sincera que eu posso dizer é que se David Lynch queria usar subliminares no filme para dizer alguma coisa, ou se escondeu alguma mensagem por trás daquelas cenas estranhas, ele exagerou no "esconder", porque eu mesmo não achei nada. É só um filme que eu gostei de assistir, é legal ver os atores interpretando tão bem pessoas tão estranhas e loucas, mas não senti nenhuma mensagem. Achei apenas que o diretor é meio ruim da cabeça... ou sei lá, talvez eu que sou burro e não entendo essa arte que vocês tanto falam.


@RafaelRoochaa

UPDATE 27/09/2012, às 01:14 - Depois de ter escrito esse post há muito tempo, vi um comentário de que o filme fala sobre uma gravidez indesejada. Fez sentido pra mim isso, como ele não queria o bebê, via ele como um monstro.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Filme: A casa do espanto - 1986

Fiquei com vontade de assistir esse filme simplesmente por causa da capa. Quando vi achei que seria um filme bem tosco, esperava vários clichés e tudo aquilo que é normal nos filmes de terror. A casa do espanto foi lançado em 1986, com o título original de "House", e como diz o nome, claro que é sobre uma casa mal assombrada. 
Pelo menos para mim, a primeira vista ele pareceu ser um filme atraente. Mas, me decepcionei quando assisti.
A primeira cena até que é um pouco interessante por causar um certo mistério e ansiedade pelo resto da história (que ainda nem começou). A trilha sonora foi a primeira coisa que me chamou a atenção, um instrumental aparentemente simples, mas que combina muito bem com os filmes de terror. 
Aliás, acho que nessa época, as trilhas sonoras dos filmes eram bem melhores que as de hoje. É uma opinião pessoal, mas acho muito mais assustador do que um black metal essas músicas instrumentais como esta da primeira cena de A casa do espanto, ou a trilha sonora de A hora do pesadelo. No entanto, a única parte boa da trilha sonora é essa. Mais tarde há outras músicas, como You're not good, de Clint Ballard Jr, que são boas, mas não as mais apropriadas para o filme.


No início da história, um entregador de compras chega na casa e não encontra ninguém. Como é um filme de terror, claro que seguindo os tradicionais clichés, ele entra e sem motivo aparente resolve subir as escadas. Quando olha para um quarto encontra uma senhora morta, que se suicidou com uma corda no pescoço. Só aí já são dois elementos importantes: primeiro o fato dele ter subido as escadas, uma atitude inexplicável mas que deixa bem claro que aquilo se trata de um filme de terror, único lugar onde uma pessoa (que não seja um ladrão com a intenção de roubar a casa) faria isso. A segunda coisa é o uso de uma senhora, o que deixou a cena mais assustadora do que se fosse uma mulher mais nova (idosas sempre assustam).
Mas depois tudo vai ficando mais chato. Descobre-se em uma cena seguinte que essa senhora tinha um sobrinho, que é o personagem principal do filme. Roger Cobb, interpretado por Willian Katt, é um ex-soldado do exército americano que foi combatente no Vietnã, e escritor, que está trabalhando em um livro onde conta suas histórias na guerra. Ele passa por diversas crises, por estar divorciado, por não conseguir escrever seu livro, e principalmente pelo fato de seu filho estar desaparecido. Aí vem a parte mais interessante do filme, o personagem principal tem uma mente um tanto problemática.

A primeira demonstração de que a casa realmente tem algo errado é quando ele abre um armário e de lá de dentro sai um monstro que me lembrou o predador, mas Cobb consegue fazer o bicho voltar pra dentro. E então começam a aparecer diversos monstros. O problema é que a cena mais assustadora é a da velha morta no começo do filme, os monstros mesmo não assustam em nada.
Há quem diga que os monstrinhos foram feitos sem graça desse jeito propositalmente, pois a intenção era dar uma pitada de comédia nas cenas. Porém, além de não ser engraçado, isso tirou a possibilidade de fazer com que o filme dê medo.
Depois de assistir uma hora e meia de filme, a decepção volta no final da história, que é bem previsível. Quem está assistindo se cansa das cenas que não assustam e dos monstros sem graça, então, espera-se pelo menos um desfecho que surpreenda. Mas isso não acontece. O final é justamente aquele que o espectador está esperando.
Para os que se interessam em assistir filmes antigos, até que vale a pena. Você não vai se assustar, não vai sentir medo, não vai dar risada, mas o personagem principal até que é interessante para quem gosta de pessoas com mentes perturbadas.


quarta-feira, 4 de abril de 2012

Lentes Magnéticas - Arnaldo Baptista

Caso não saibam (não sabem ), o Arnaldo Baptista é meu maior ídolo. Entre tantas pessoas que eu admiro, entre tantos músicos que eu gosto, o considero o melhor. Isso devido a sua complexidade, que fica bastante notória em suas músicas. Principalmente em seus discos solo, além da qualidade musical, é possível perceber os sentimentos do artista, de acordo com a época de lançamento de cada um de seus álbuns. Como por exemplo no disco "Loki?", lançado em 1974, época em que Arnaldo passava por uma fase bastante depressiva, que passa uma sensação melancólica, o que faz muitos considerarem que Arnaldo Baptista é um dos artistas que mais conseguem colocar a "alma" em seu trabalho.

Mas o caso aqui nem é a música.

Quando assisti ao documentário Loki, lançado pelo Canal Brasil em 2008, descobri que além de músico, atualmente Arnaldo também se dedica a pintura. Claro que, assim como sua música, muitos que olharem seus quadros não entenderão. Na verdade eu acho que a arte de Arnaldo Baptista precisa de uma certa continuidade. Acho que é preciso conhecer o começo para entender o final.

Enfim, para quem quiser conhecer suas pinturas, desde o dia 24 de março está acontecendo na Galeria Emma Thomas a exposição Lentes Magnéticas, a primeira exposição de Arnaldo depois de 30 anos dedicados à pintura. A exposição vai até o dia 20 de abril e pode ser visitada de terça a sexta, das 11h às 19h, e aos sábados das 11h às 17h. A Galeria fica na Rua Barra Funda, 216 - Barra Funda.
Além dos quadros, há um espaço onde é exibido um vídeo, produzido pela Bronca Filmes, onde Arnaldo fala sobre sua arte, explicando alguns quadros. Então a desculpa de não visitar a exposição porque não entende esse tipo de arte não é valida. O vídeo é muito bem explicativo.
Lentes Magnéticas vale a pena para quem quiser conhecer a arte de Arnaldo Baptista, e também para os fãs que desejam prestigiar seu trabalho. A entrada é grátis, pelo menos no primeiro dia tinha chopp de graça, e as pessoas que trabalham na Emma Thomas são muito simpáticas.

Aqui tem algumas fotos que eu tirei no primeiro dia da exposição http://www.flickr.com/photos/rafaelrocha1/sets/72157629300711388/

Enigma - MCMXC a.d

Vi esse álbum pela primeira vez enquanto mexia nos discos da minha avó, em meio a diversas coisas antigas que haviam na casa dela (revistas, livros, fitas VHS). Quando olhei para a capa achei um tanto obscura, o que logo me chamou a atenção... Eu tinha na época uns 15 anos e era fã de Heavy Metal, especialmente do Black Sabbath. Nessa idade se você gosta dessas coisas, acaba sendo influenciado, e por isso sentia certa atração por tudo que me parecesse obscuro. 
Quando perguntei a ela que disco era, ela me disse que era do meu tio e que "parece" que algumas pessoas que tinham o escutado haviam enlouquecido e até cometido suicídio. Alguns dias depois a história me foi confirmada por um vizinho que me disse que o disco foi lançado em 1978 e realmente, pessoas se mataram ouvindo.
Depois descobri que tudo era uma grande lenda e que, como eu desconfiava, meu vizinho era apenas um mentiroso, até por que o disco só foi lançado em 1990. Mas, de qualquer modo quando eu o ouvi me interessei pelo som, bastante original, e comecei a escutá-lo frequentemente. Depois baixei os outros discos do Enigma e comecei a pesquisar mais sobre o grupo.
O projeto foi criado e produzido pelo músico e compositor Michael Cretu, pouco tempo depois dele se casar com a cantora Sandra Cretu, em 1988. O músico já havia participado de outros projetos na década de 1970 e 80, mas só conseguiu dar início a algo que vingasse em 1990. Neste ano ele começou a trabalhar em um novo estilo de New Age dance, e lançou o primeiro álbum do Enigma: MCMXC a.D. 


O instrumental do disco era baseado em batidas dançantes bastante sensuais, enquanto os vocais na maioria das vezes variavam entre a voz de Sandra e cantos gregorianos. Como obviamente o disco causaria polêmica, Cretu preferiu esconder seu nome sob o pseudônimo de M.C Curly, e a contracapa do álbum não tinha muita informação sobre os integrantes do grupo, deixando um ar de mistério sobre quem fazia parte do projeto... O que tornou o disco ainda mais atraente para mim, que procurava alguma coisa "obscura".
O álbum, apesar de não ser conhecido por todos, fez um certo sucesso na época e acabou influenciando outros grupos que se inspiram no canto gregoriano, como por exemplo o Era e outros da New Age.
Antes da primeira música há uma introdução. "The Voice Of Enigma", que pode ser ouvida em todos os álbuns, mas sempre de uma forma diferente. Em MCMXC a.D, o instrumental da introdução já passa uma sensação de calma, enquanto a narração pede para o ouvinte relaxar, apagar a luz e deixar se guiar pelo ritmo.
Logo em seguida começa o primeiro movimento, "The Principles of Lust", que é dividido em três faixas. A primeira, "Sadeness", é a música do disco que conseguiu mais sucesso comercial. Isso pelo fato de misturar o canto gregoriano com uma batida moderna, sendo algo que ainda não havia sido feito no mercado musical. A letra questiona os hábitos do Marquês de Sade, tentando entender seu gosto pela dor e prazer. Ainda no primeiro movimento vem a faixa "Find Love", que dá a entender que o ouvinte deve seguir seus instintos de luxuria até encontrar o que procura. Para fechar essa parte do disco, como uma reprise, o refrão de Sadeness continua até terminar o movimento.
A faixa seguinte é "Callas Went Away", a menos interessante do álbum. No entanto, logo depois dela vem uma das melhores músicas: "Mea Culpa", que também conseguiu algum sucesso comercial e foi remixada por vários DJs da Europa.
A seguinte, "The Voice and The Snake", pode soar um tanto estranha, mesmo comparado ao restante do álbum, que mostra algo bastante diferente, quando não se está acostumado com esse tipo de som. A letra é como uma narração do Apocalipse segundo a Bíblia Sagrada. Em seguida "Knocking on Forbidden Doors", é outra que até chamaria a atenção na época, por ser algo novo, bastante original. Mas comparada às outras faixas do disco não tem tanto destaque. 
Encerrando o disco vem mais um movimento formado por três faixas. A primeira é "Way To Eternity", que é como uma introdução ao movimento onde os cantos clamam a Deus pedindo para que os livre da morte. A segunda parte, "Hallelujah", tem um instrumental muito agradável e a narração cita algumas frases que foram ditas na introdução do disco. "The Rivers of Belief", que encerra o movimento, é a única faixa onde Michael Cretu canta, e é também uma das melhores faixas. Em um momento da música o instrumental para completamente e uma voz masculina cita um trecho do Livro do Apocalipse, depois voltam os instrumentos, que de fato, nessa música são bastante interessantes, e Cretu volta a cantar terminando com a frase "vamos descansar em paz nos meus rios de crença". A música termina e voltam alguns sons que aparecem na introdução do disco, e assim encerra-se MCMXC a.D.
Michael Cretu

Pelo fato do álbum unir referências religiosas à uma grande dose de erotismo, obviamente surgiram algumas polêmicas fazendo com que fosse banido em diversos países. O vídeo clipe de Principles of Lust foi proibido de ser exibido na MTV, e outras emissoras de televisão se recusaram a exibir os vídeos do Enigma. Mas ainda assim o álbum conseguiu superar as expectativas em questão de popularidade, rendendo até discos de ouro e de platina.
Porém o Enigma provavelmente não vai agradar ouvidos acostumados com músicas "tradicionais". É um projeto para ser ouvido por quem gosta de experimentalismo e procura algo diferente. Com as faixas do disco é possível relaxar e até meditar, do mesmo modo que é possível dançar com a batida das músicas.


@RafaelRoochaa